Descrição do trabalho acadêmico indígena, um poema
Por Cash Ahenakew*
Poema Originalmente publicado em Ahenakew, C. (2016). Grafting Indigenous ways of knowing onto non-Indigenous ways of being: The (underestimated) challenges of a decolonial imagination. International Review of Qualitative Research, 9(3), 323–340. Disponível em: https://blogs.ubc.ca/edst/2020/06/08/academic-indian-job-description-a-poem/. Tradução: Juliana Mytzi (mytzij@ufrn.edu.br). Revisão: Ana Gretel Echazú B. (gretigre@gmail.com). Projetos RECânone e Cuidados, UFRN. Autorizado e revisado pelo autor.
tem que saber
do conhecimento e educação ocidentais
mais a crítica do conhecimento e educação ocidentais
tem que saber
da ‘cultura’ e educação indígenas
mais a crítica e a crítica da crítica da
‘cultura’ e educação indígenas
tem que saber
como incorporar a autenticidade esperada
e como incorporar a crítica esperada
da autenticidade esperada
tem que saber
quando e onde usar literatura indígena
e quando e onde usar o cânone ocidental
para construir legitimidade e credibilidade para o pensamento e experiência indígenas
tem que saber
quando difamar, romantizar, essencializar
quando desculpar, complexificar, comprometer
quando e a quem prestar contas e por quê
tem que saber
como rejeitar a modernidade, como ser um indígena moderno
como ignorar contradições
como negar incomensurabilidades
tem que saber
quando e como desempenhar ao mesmo tempo
competência, confiança, ousadia, rebeldia heróica
e humildade, complacência e gratidão pela oportunidade
tem que saber
quando ser um/a intelectual, um/a ativista, um/a terapeuta, e um/a empreendedor
como reter alunos e melhorar sua performance e mobilidade social
e como parar a exploração e o desastre ecológicos
tem que saber
como educar ‘suas pessoas’, aliados liberais, imigrantes,
colegas
como se relacionar com membros de gangues, patrocinadores de negócios, idosos, políticos
como falar com os corvos, as árvores, o mar e a imprensa
tem que saber
como encarar e ajudar outros a curarem trauma intergeracional em dúvidas de si, automutilação, auto-ódio
e profecias derrotistas de auto-sabotagem
tem que saber
como ler e espelhar sensibilidades e sentidos da classe média
na escrita, fala, vestimenta, arte, gosto,
assim como gestão de resíduos e etiqueta à mesa
tem que saber
como empurrar, mostrar o dedo do meio, fazer a dança fantasma
como honrar os mais velhos, limpar privadas, carregar o peso
como realizar cerimônias, carregar um cachimbo, e curar os doentes
tem que saber
como soletrar, pronunciar, solucionar e consertar
colonialismo, capitalismo, racismo, escravidão, patriarcado
hetero-cis-normatividade, capacitismo, elitismo e violência interseccional
tem que saber
línguas perdidas e achadas de família, comunidades, terra, espírito
línguas impostas de nação, propriedade, individualismo, competição
e linguagem acadêmica institucional do humanismo liberal secular
tem que saber
como indigenizar e decolonizar
disciplinas, protocolos, éticas e metodologias
como fazer aspirantes a especialistas em problemáticas indígenas se sentirem e parecerem bondosos
tem que saber
como empacotar tudo isso em uma língua inglesa estrangeira
como convencer as melhores revistas e analistas de performance
que você também, contra todas as probabilidades, tem valor de mercado
tem que saber
como viver com a culpa de ter credenciais, um trabalho seguro
e a consciência da conformidade com um sistema viciado
construído sobre as costas quebradas e alma ferida de seus familiares
tem que saber
como avançar o projeto de reconciliação
com parentes que prejudicaram sete gerações
com miséria, expropriação e genocídio “cultural”
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*Cash Ahenakew (PhD) é indígena da nação Ahtahkakoop Cree e professor no Departamento de Estudos da Educação na Universidade de British Columbia, Canadá. Mais informação: https://edst.educ.ubc.ca/facultystaff/cash-ahenakew/